Paulo Rosa
Casamento é liberdade
Por Paulo Rosa
Caps Porto, Ambulatório Saúde Mental, Telemedicina PM Pelotas, Hospital Espírita
[email protected]
A expressão, cunhada por C. Corbellini, parece ir na contramão da História. O comum é ouvirmos que casamento "é enforcar-se", ou que "é doce prisão", em palavras de sujeitos semi-românticos. As velhas, e sempre nos braços de Baco, despedidas de solteiro estão a confirmar que esse é o último respiro antes do sufoco eterno. Certo é que algum dia poderiam festejar a entrada à liberdade-ainda-não-pensada dos nubentes, mas não vejo que isso seja hoje frequente.
Estou a falar aqui de liberdade em sentido amplo, como, por exemplo, de alforria (das prisões de si mesmo), de confiança (ousadia), de direito (liberdade de expressão), de franqueza (opinar com liberdade), de independência (autonomia).
Não estou a defender o sentido de casamento aberto, com troca de parceiros, tendo como suprassumo a união Sartre-Beauvoir. Se casamento a dois já é uma exigência dos diabos, imagina se se amplia a parceria. Por exemplo, chegar às impensáveis experiências de poliamor, coisa, por hora, europeia, com três ou quatro pessoas em situação conjugal. Haveria que fazer MBA de como administrá-lo. Acho positivo que novas expressões conjugais possam existir e, quem quiser, que as busque, sem que sejam molestadas.
"O amor, quando não é aceito, converte-se em nêmesis, em justiça, em implacável necessidade da qual não há como escapar. Como a mulher nunca adorada se converte na morte que ceifa a vida dos homens. [...] É uma realidade, uma potência original, necessária para a fixação de uma órbita, de uma ordem. [...] O amor, pois, estabelece a cadeia, a lei da necessidade. E o amor também dá a primeira noção de liberdade. Necessidade-liberdade são categorias supremas do viver humano. O amor será mediador entre elas. Na liberdade fará sentir o peso da necessidade e na necessidade introduzirá a liberdade" (María Zambrano, "El Hombre", 1977; itálicos meus). Nesse rastro dá pra ver aquele ponto em que, sendo o amigo tímido, inibido, sem jeito para realizar isto ou aquilo, o teu amor te fará destravar o atravanco e tu passas a desfrutar algo de ti que, sem o amor, permanecerias maneado, não liberto.
Sim, casamento senso lato, uniões de variado naipe onde predomine o amor sobre o ódio ou a indiferença. Casais no universo da busca - pessoal e pelo par - onde fica declarado querer aprimorar-se a si, à dupla, ao outro, num ir e vir, como o mar, sem ter dia igual a outro. Já procuraste, dia de hoje, conquistar, seduzir, aproximar-te da tua mulher? O amigo acha que uma vez casado a conquista termina? Caro, nem sobre si próprio a peleia tem fim, calcula com relação ao teu amor.
Casamento é incerteza - a falácia do casamento blindado atesta refinado xucrismo sobre o que seja qualquer relação humana. Uma luz do Nietzsche, em Ecce Homo: "não é a dúvida, é a certeza que enlouquece". Se me invade a certeza de que o amor dela por mim está pronto e definitivo, melhor buscar analista. Carro se blinda. Casamento se cultiva.
Carregando matéria
Conteúdo exclusivo!
Somente assinantes podem visualizar este conteúdo
clique aqui para verificar os planos disponíveis
Já sou assinante
Deixe seu comentário